domingo, 17 de fevereiro de 2013


 
Costa Filho, membro da ABL
Cadeira nº 2 e atual Secretário Geral
 
Crônica em foco

O VELHINHO AZUL
De repente me vejo, à tardinha, num dos pedaços históricos da cidade a matar o tempo e o estresse. À medida em que meu refrigerântico copo se esvazia, meus olhos se enchem de um frouxo e melancólico momento que por ali paira.  Até a suntuosa fachada do Fórum, recém-inaugurada, parece se render à pacatez do momento. O trânsito, em sua fluência tímida e regular, ganha maior ânimo na perigosa travessia da pracinha D. Pedro II, onde automóveis, ciclistas e pedestres ficam a meter o nariz pelas esquinas. E sucedem-se, e somem, cada qual ao seu destino.
Subitamente surge da Chico Marques uma afiguração que me rouba a cena: um velhinho azul. Sozinho e disposto segue sulcando na sela da bicicleta.  O jeito rude e sexagenário o denuncia um ativo batalhador pela sobrevivência, e o traje, de tonalidade em azul, revela sua possível ocupação de vigilante. Ou seria um dos músicos da bandinha Santa Cecília?
Não afirmo se calçava sapatos ou sandálias, mas levava uma espécie de boroca na garupa. Era um velhinho de bicicleta, como tantos outros que giram pela cidade. Um detalhe, porém, o distinguia dos demais velhinhos azuis: era manco, e mais que isso, coxo. Trazia a calça dobrada à altura do joelho direito. Mas a falta da perna parecia não impossibilitá-lo da vida. E não mesmo, pois andar de bicicleta, que poderia ser grande obstáculo, ele o fazia muito naturalmente.
Entre pasmo e curioso preguei nele os meus olhos para acompanhá-lo em sua trajetória, que me parecia sofrida. Se descesse pela D. Pedro II, certamente todos os santos o ajudariam, mas se o homem resolvesse subir a ladeira da Manoel Alves de Abreu  ou transpor a curva para a Barão de Capanema, o que sucederia àquela criatura de uma perna só, montada em pesada bicicleta?
Surpreendentemente o velhinho tomou o rumo do Fórum, a via mais difícil, onde o esperava inclinada ladeira, não bastasse o trânsito que tinha que concorrer. Foi-se, de sulco a sulco, pedalando a meio pedal, atravessou o largo da praça sem problemas e rumou para enfrentar o quebra-molas e depois a ladeira. Com ele ia de carona minha expectativa de seu completo esforço. Um piscar de olhos ou um carro, talvez, me fez perder a cena de como ele desceria do veículo andante. Quando dei por conta, este já escalava o alto, agora, com o único pé sulcando o chão. Não descera de todo do veículo. Como era possível, sem cair? E assim foi-se até o chão ficar rente. Vencida a ladeira, equilibrou-se no biciclo e seguiu pedalando, espichando consigo o meu pescoço e sumiu no trânsito o velhinho azul.

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